A Música do Ocaso

Numa das suas letras, os pet shop boys dizem-nos que "music is our life's foundation and shall succeed all the nations to come". Não são, de todo, a minha banda favorita (heavens forbid). Confesso, porém, que esta música desde adolescente me seduz, pela letra, pois, por um excerto dela apenas, esse. Nesta minha nação - que por aduana ao mundo sensorial oferece estes auriculares martelos que ao primeiro permitem que pelas artérias da sua cidade-alma as portas das casas que este eu habita os segundos percutam; se realidade exista que ali perenemente persista é, pois, a música. Eh lá, temos lírica espontânea à la Kerouac. E se realidade há que pedra basilar seja nesta minha existência será, sim, a música. É instituição, fundação e fundadora deste eu. Nele, é rocha sedimentar, metamórfica e ígnea. Sedimentar das memórias, metamórfica dos humores, ígnea das emoções. Epá, corro sério risco de Paulo Coelhar esta cena big time se insistir em prosseguir. É que hoje, enquanto labutava, ouvia uma playlist com umas largas dezenas de músicas dos Cure e dos Dead Can Dance. E começa-me um plainsong, um charlotte sometimes, um how fortunate the man with none, um all cats are grey, um sanvean, um the ubiquitous mr. lovegrove, um a night like this, um the carnival is over, um american dreaming (ui!!!) e, num qualquer portal interior de ambivalente dualidade, ora se não é que percorro tempo e espaço, que sou partícula e, ainda, onda, navio perdido, em rotas de bruma, em sonhos içados no vento das estrelas, em pensamentos resgatados à âncora do olvido. Ui, catano, isto só falta a carne e o espírito para me por a jeito de me acusarem duma Clara Pinto Correisse, já não com a obra do Paulo Coelho, mas com a da Natália Correia. Num ápice, estou ausente, retrocedo a mim, olhando o fundo do iniciático poço, de braços abertos, reluzentes, encetando a jornada primeva da volátil alma impassível apenas às mordidelas desse tal que se diz canídeo mundo onde dá em seco o homem feito, perfeito de renúncia e cobardia. Pronto, tá tudo fodido, venha a bófia. E, as vezes macho, às vezes frade, percorro, dependendo da noite, dependendo do dia, o cosmos da mais persistente das memórias, onde sou polvo e coral, moscardo argênteo, emaranhado nos aranzéis das suas manhas, com os olhos viajantes na nave da pestana, essa do infinitésimo primeiro, nas asas no exílio dum corpo, virgem, de vaca, que aos chispes tem um coração de faiança fragmentado em exercícios juvenis.

Opá, o que eu quero dizer é que ele há músicas que me desmaterializam na luz própria e, porra, tenho vontade de arriscar dizer, na própria luz. E esta é do Sérgio Godinho e o título fede a Paul Auster, foda-se, e já me sinto uma fotocópia, prefiro o original, edição revista e aumentada, cordão umbilical, exclusivo a morder a página em papel jornal e faz-me impressão o trabalho e a inércia faz-me mal.

© Andalsness 2009

posted by andalsness on 6/02/2009 04:58:00 am